Eram como o café e o leite. Ele tirava o sono dela e ela deixava-o menos amargo. Sentavam-se sempre na janela da sua secreta morada e ficavam calados como duas pessoa a transbordar pela cabeça. Se um instante é suficiente para a mente tropeçar no coração, o mais certo era serem detentores de uma numerosa família de arranhões.
Coberta de relíquias para a vida, todos os dias ela deixava os sonhos na cama e vestia a sua pele de viver, percorrendo caminhos de quem nunca quis ser ignóbil demais. Não era boa entendedora e meias palavras não lhe bastavam como contentamento em vésperas de atingir o limite.
Passou a plantar epopeias solenes no seu cérebro e deixou afogar-se em todas as perguntas guardadas debaixo da cama. Hoje fotografa dias bons e só as revela a quem sabe que tem o coração mas leve que o dela. Porque em dias de chuva, o café perde a amargura de palavras contadas à janela e os sonhos tornam-se insónias constantes.
Sabe que ele só volta depois de aprender com mais três porque queria um amor tão certo como o café que bebe todos os dias ao acordar. Agora, reticente em perceber que a amargura não mata sonhos, relembra as horas de trovoadas que passara à janela com ele. Talvez, um dia se esbarrem e se conheçam de novo, com um olhar mais maduro e o coração mais decidido. Talvez sejam experiências de uma vida em que só quem é inteiro, sabe transbordar. Mesmo assim ela agradece, e sonha com um Inverno mais chuvoso que o anterior. Porque em dias de Verão, o café é muito amargo.